segunda-feira, 25 de julho de 2005

o kit clareador


- lúcia. Acorda.
- Fala, Zé.
- Tá acordada?
- Que foi? Que horas são?
- Uma e meia da manhã.
- Aconteceu alguma coisa?
- Eu preciso te perguntar um negócio.
- Pergunta.
- O que você acha de eu comprar um kit clareador de dentes? Está super barato, pode pagar em 10 vezes...
- Como que é?
- É uma maravilha, olha só – ele me disse, animado, apontando o aparelho de TV do quarto, que estava ligado – Não é incrível?
Olhei sonada para a TV. Um apresentador mostrava um equipamento cheio de escovas de dente e produtos.
Vixe.
- Para que você quer isso, Zé? – perguntei, pasma.
- Ué. Pra usar nos meus dentes, ora.
- E... você me acordou no meio da madrugada para me perguntar se compra ou não? – eu perguntei, atônita.
- Você acha que eu estou ficando louco?
- Zé, você está ficando louco. Completamente louco.
- Não devo comprar mesmo?
- Óbvio que não.
- E meus dentes?
- Vai ao doutor Renato. O dentista. Ele clareia para você.
- Ele não clareia. Eu já perguntei. E ele é caréssimo.
- Escuta, Zé. São quase duas da manhã, não é hora de clarear os dentes, é hora de escurecer os olhos. Faz uma coisa. Durma, acorde de manhã, ligue para o dentista e pergunte à ele se você deve comprar esse kit clareador. Se ele deixar, você compra amanhã cedinho. Tá bom?
- Acha mesmo? Parece tão legal o kit...
- Acho – eu disse, desligando a TV – Boa noite.
Pois é. O Zé tem esse problema. Outro dia ele comprou vaso horrível, todo craquelê, azul e branco, num leilão ao contrário. O preço ia diminuindo, diminuindo, e ele acabou telefonando e dando um lance. Disse que não tem a menor idéia de como aconteceu aquilo.
Depois foi uma máquina de fazer macarrão em casa, cheia de peças para montar, que nunca foi usada. Vou começar a fazer macarrão, ele me disse no dia seguinte. Mas a caixa já amarelou e nada. Fora a quantidade sem fim de raladores de queijo e fazedores de waffles que chegam aqui pelo correio.
- Eu não sei, na hora vem aquele impulso e quando eu vejo, pimpa, já comprei – ele me explicou, suspirando.
Isso também já aconteceu pela Internet. Ele se empolgou e resolveu comprar coisas on-line à noite, esqueceu de verificar o valor do frete e teve que pagar por uma camiseta um custo muito mais caro que uma camiseta da Daslu.
Acho que esses programas noturnos de compras hipnotizam meu marido. O engraçado é que no dia a dia ele é o maior pão duro. Será que ele sofre de consumo compulsivo de madrugada? E não é só ele, que eu sei. Já contei o problema a muitos amigos que me disseram, desolados, que também já compraram coisas inúteis.
O que será que nos leva a consumir coisas que não precisamos no meio da noite? Será que é porque estamos num estado letárgico de sono? Será que é hipnose?
Não sei. Mas pelo sim, pelo não, quando chegou o último ralador de queijo eu olhei pro Zé e implorei.
- Zé, faz uma coisa? Antes de qualquer compra, qualquer uminha, me acorda e pergunta se deve comprar?
- Vou tentar – ele respondeu, suspirando - Vou tentar...
- Jura que faz isso?
- Juro.
E foi assim que economizamos o kit clareador.
Ufa.


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