sábado, 11 de junho de 2005

a sacolinha

(os fatos relatados abaixo são totalmente verdadeiros)
Me pediram para analisar um projeto de uma casa de praia. O dono queria fazer uma reforma. Estávamos no escritório da empresa dele, e eu resolvi levar o projeto para o meu escritório para estudar com calma.
-Devolvo amanhã – expliquei ao dono da casa – Pode ser?
Peguei minha bolsa e aquele volume enorme de plantas e desenhos nos braços para ir embora. O escritório ficava num prédio chique, bacana, daqueles neoclássicos da Faria Lima.
Quando eu estava saindo, uma das secretárias me chamou.
- Você vai com tudo isso na mão, lúcia? Não está pesado?
- Um pouco.
- Peraí, vou te arrumar uma sacolinha.
A moça entrou numa sala e voltou com uma sacolinha.
Da Daslu.
- Ana, você tá maluca?
- Que foi?
- Ana, uma sacola da... da... da Daslu?
- É ótima essa sacola. Firme. Grossa. Coloca as plantas aqui. Vamos.
- Ana, não posso – eu disse, dando um passo para trás – ... é uma questão de princípios. Eu nunca fui na Daslu, nunca pisei na calçada da Daslu e você quer que eu carregue uma sacola da Daslu, ainda por cima usada?
- Que é que tem? Que frescura.
- Tem que é ridículo. Ora, tem que parece que eu sou uma daquelas empregadas que saem no sábado perfumadas e com uma sacola da loja chique que a patroa compra. Coisa mais cafona, Ana!
- Hahaha, que exagero, Lúcia. É só uma sacolinha, é só até teu escritório. Você coloca essas coisas aqui... – ela ia falando e enfiando as plantas dentro da sacola preta – ... desce, pega o seu carro ai no estacionamento, chega em casa em 10 minutos e joga a sacola fora – ela me entregou o volume - Pronto. Tá apertado, mas coube.
Olhei para a sacolinha da Daslu. Estava quase explodindo.
Sai para o hall do elevador com aquilo na mão. A sacolinha estava toda amassarocada e meio velha. Uma vergonha que me deu. Tomara que não apareça ninguém, pensei.
Bom, chegou o elevador e eu entrei. Lá dentro havia apenas um homem e uma mulher. Eu juro por tudo que é mais sagrado, não estou inventando o que eu vou contar agora. O homem eu nunca vi mais gordo, mas a mulher que estava na minha frente eu sabia muito bem quem era. Já tinha visto aquele rosto em muitas revistas e jornais. Gente, eu juro, mas juro mesmo que aquela ali era a dona da Daslu, a Eliana Tranchesi. Ali, em carne e osso, bem nesse dia, bem nessa hora e naquele elevador. E eu ali com aquela horrenda sacolinha estufada, capenga, reutilizada, vexaminosa e cheia de papel velho. Ô droga. A mulher, que estava no celular, me olhou de cima a baixo duas vezes. Tentei esconder a sacolinha no meio das pernas, apertando com os joelhos para ela não ver a marca, mas acho que não deu certo. Que remédio... Fiquei firme até o térreo, tentando pensar “e daí?”, mas sentindo uma enorme vergonha. A viagem de elevador foi interminável.
Minha maior aproximação com a Daslu foi esse mico.
Bom, chegamos no subsolo. Claro que o carro dela era um bilhão de vezes melhor que o meu e claro que ela e seus seguranças passaram na minha frente sem me dar a menor pelota.
E eu fiquei ali, feito a empregada no ponto de ônibus, olhando aquele escândalo chiquérrimo de decolagem e praguejando sozinha com minha sacolinha...

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