sábado, 18 de junho de 2005

só uma balinha, pai?



Além do teatro, tenho paixão por cinema. Adoro a hora que as luzes se apagam, que fica tudo escuro e que a enorme tela passa a contar uma história. É justamente essa a mágica do cinema: naquela hora só existe você e a tela, a tua realidade e aquela ficção.
Quando assistimos tv, tudo interfere: o telefone, a campainha, o filho, a chuva, a mãe que chama para jantar. Já no cinema não: é proibidíssimo fazer qualquer outra coisa enquanto se vê o filme. Temos que ser fiéis a ele: não podemos conversar, falar alto, acender luz. Acho que deve ter gente que respeita mais uma projeção do que o marido ou a mulher.
É coisa séria, cinema.
Já que estamos falando de “assistir”, queria fazer um pequeno aparte. Já viram que mágica de assistir shows foi destruída? Sim, porque assim como os cinemas e teatros, os shows eram respeitados: todo mundo ficava calado para assistir quem ia se apresentar. E a gente tinha que ficar até o fim, custasse o que custasse, pois show é ao vivo e pega super mal levantar na frente de quem está se apresentando. Fui a um show do Hermeto Pascoal quando era menina que demorou mais de 5 horas para acabar. Todos dormimos ali, firmes. Agora, sem mais nem menos, virou uma bandalheira. Alguém resolveu que show tem que ser assistido em mesas mínimas, de lado ou de costas, com estranhos colados em você e garçons passando na frente o tempo todo. Alguém pode explicar?
Ainda prefiro o cinema, com suas cadeiras e seu silêncio.
Bom, feliz com minha teoria, fui ao cinema com os meninos. O local estava lotado, claro, isso é normal nos fins de semana. E estava silencioso também, como deve ser. Era uma ótima sala, com som maravilhoso e poltronas confortabilíssimas. Sentamos, a família toda.
- Ô mãe. A gente não vai comer nada?
Era o maior.
- Comer? Aqui? – estranhei – A gente janta depois do filme, filho.
- Putz. Tou com fome, pô.
O Zé resolveu o impasse.
- Tá. Vou te comprar uma balinha. Já volto.
- Uma balinha? – reclamou meu filho – Só uma balinha, pai?
- Mas filho... – eu insisti – é falta de educação comer muito no cinema!
- Hahaha! – eles todos começaram a rir de mim – Mãe, mas como você é velha! Você é do tempo que era “falta de educação” comer no cinema? Hoje em dia a gente come muito no cinema, mãe! Montanhas de comida!
Foi ai que eu percebi. Gente, que horror... é impressionante como se come e bebe no escuro de uma sala de projeção... Potes imensos de pipoca, refrigerantes, balas, chocolates. Não estou falando do barulho ou sujeira, pois a maioria das pessoas é educada, come silenciosamente e joga o lixo no lixo. O que intrigou foi o fato de ver tanta gente precisando comer para ver o filme.
De onde vem tanta fome e sede? O que aconteceu com nossa sociedade? Só assistir a um bom filme não basta, não alimenta o suficiente? Temos fome do quê no cinema? Olha, temos que passar a acreditar em outros tipos de alimentação, não só essa que engorda, não só essa que satisfaz o corpo.
É o seguinte: é preciso proibir comida no cinema. Isso. Pensa o contrário: ninguém fica desesperado para ver um filme num restaurante, não é? E além disso, não é preciso comer em todos o lugares que a gente vai. As pessoas comem nas aulas? Nas reuniões? Nas lojas? No caixa eletrônico?
É preciso um mínimo de cerimônia para comer e, claro, para ir ao cinema.
Tem hora para tudo na vida, até para ser velha.

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