quinta-feira, 16 de junho de 2005

o borrão verde


(como se trata de uma história é verdadeira, os nomes são todos fictícios, hehehe - qualquer semelhança é apenas semelhança)

Fernanda sempre quis ser atriz de cinema. Fez cursos quando era moça, procurou trabalhos, mas nunca conseguiu nada. O tempo e as oportunidades passaram, Fernanda casou com um dentista, o Nelsinho, e começou a trabalhar com administração.
Certo dia, vinte anos mais tarde, saiu do trabalho e foi ao shopping comprar um presente. Ao descer de uma escada rolante, Fernanda tropeçou, caiu e enfiou a cara num vaso de plantas. Estatelada no chão, ouviu uma voz.
- Machucou?
As folhagens entraram no seu olho, ela não enxergava nada. Percebeu que alguém lhe estendia a mão. Era um homem? Devia ser, mas naquele momento era apenas um borrão. Uma enorme mancha com uma blusa verde.
- Tudo bem com você?
- Sim – ela respondeu, levantando-se - Mas entrou uma coisa no meu olho, não vejo nada.
- Venha aqui – disse o borrão, puxando Fernanda pelo braço.
O borrão verde tinha uma voz bonita, grossa e sorria para ela.
- Eu estava numa correria danada – ela explicou, sem graça – ... viu no que dá?
- Quer um café?
Antes que protestasse, o borrão colocou-a na de frente um balcão e pediu dois. Puros. Fernanda sorriu, agradecida. Aos poucos o borrão começou a se desfazer e ela pode ver sua fisionomia.
Ficou sem ar. Vixemaria. Aquele não era um borrão qualquer. Aquele era o borrão de Álvaro Juan, um dos maiores cineastas do Brasil. Aiaiai. Não era um sonho. Aquele era o Álvaro Juan em carne e osso. Percebeu que tremia.
Olha do que era capaz o destino, pensou. Vivera longe do mundo do cinema por mais de vinte anos, e um dia, sem mais nem menos, tromba em Álvaro Juan. Olha que coisa.
- Como se chama?
- Eu? - quase não conseguia responder, de emoção - Fernanda.
- Não bateu a cabeça não, Fernanda?
Ela percebeu que ele a olhava de cima a baixo e rabiscava um papel.
- Desculpe, mas tenho que ir – ele disse, olhando fundo e empurrando um papel em direção a ela – Mas... fique com isso. Quem sabe?
Fernanda percebeu que sob a sua xícara havia um cartão. Olhou boquiaberta para o homem.
Estava feito o estrago. Fernanda fora aniquilada e desmoronava lentamente. Não sabia mais onde e nem o quê estava fazendo, só tinha uma certeza. Depois de vinte anos o destino colocara Álvaro Juan na sua frente, feito um borrão verde, e assim o cinema finalmente abria as portas para ela. Segurou forte o cartão, respirou fundo e leu.
Álvaro Juan. Nome e telefone. O seu futuro, ali.
Teve vontade de pular. Berrar. Sua vida ia mudar, certeza absoluta. Imediatamente pegou o telefone e discou para sua melhor amiga, Mari.
Ocupado.
Bom, tem a a Bel.
Caixa postal. Onde andaria a Bel?
Ah. A Simone!
Ninguém atendeu.
Tentou mais outra amiga. Mais outra. Tentou a mãe. Nada. Droga, bem na hora que precisava não conseguia achar ninguém. Nem umazinha amiga. Tinha que contar, falar. Mas pra quem?
Foi para o estacionamento e entrou no carro. Olhou o cartão do Álvaro mais uma vez. Beijou.
Calma, pensou. Calminha, Fernanda.
Depois de dez minutos chegou em casa. Nelsinho estava na cozinha, sorriu.
- Oi Fê.
Fernanda sorriu para o marido. Sua alegria era incontrolável.
- Que foi? Tá rindo de quê?
Ela não agüentou. Vinte anos esperando uma chance daquelas. Ela tinha que contar para alguém! Vinte anos! A excitação foi tanta que Fernanda, subitamente burra, abraçou Nelsinho e mostrou o cartão.
- Olha, olha!
- Qué isso?
- Um cartão do Álvaro Juan, o cineasta, Nelsinho! – disse, saltitante.
- Hã?
- Eu estava no shopping, caí, machuquei o olho. Um homem me ajudou, me pagou um café, me deu esse cartão e...
- Fernanda, um homem que você não conhece te deu isso? – ele perguntou, desconfiado.
- Não é um homem que eu não conheço, Nelsinho. É o Al...
- Você aceitou o café desse cara? Ficaram conversando?
- Bem, eu...
- Fernanda, não viu que era uma cantada desse filho da mãe?
- Nelsinho, eu...
- Vou jogar essa droga no lixo já. Fernanda, você é uma mulher casada! Qué isso?
- Não, Nelsinho, espera, é... é o Álvaro Juan!
Nelsinho, furioso, pegou o cartão, amassou e jogou na lixeirinha do lavabo. Fernanda, cabisbaixa e sem graça, olhou para a lata prateada. Num relance, o marido percebeu o olhar furtivo de Fernanda para a lixeirinha. Aquele olhar tinha segundas intenções. Óbviamente.
Ele voltou batendo os pés na tábua corrida da sala, pegou novamente o cartão amassado lixo enquanto Fernanda dava um berro.
- Não! Na privada não, Nelsinho!
Tarde demais. Num ímpeto, Nelsinho rasgou e jogou os restos do cartão de Álvaro Juan no vaso sanitário e deu a descarga, olhando furiosamente para ela.
E assim Fernanda, arrasada, viu seu destino, sua carreira cinematográfica, o Álvaro Juan e o tão esperado borrão verde irem embora esgoto abaixo.
- Nããão...!

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