sexta-feira, 20 de maio de 2005

a árvore




O táxi chegou cinco e meia da manhã para me pegar. Era uma taxista mulher.
- Bom dia. Congonhas, por favor.
- Bom dia - a mulher olhou para trás - MinhanossaSenhora, o que aconteceu com a árvore da frente da sua casa?
Era cedo demais para conversar, pensei, cansada.
- Um caminhão – contei, bocejando– Um caminhão passou e levou a metade da árvore, há uns meses. Foi uma tristeza. Tivemos que podá-la e passar remédio. A arvore até ficou uns dias de muleta – expliquei – Colocamos um toco de madeira de um dos lados, até termos certeza que ela não ia cair. Pensamos até em retirar a árvore daí, mas não tive coragem. Imagina, matar minha árvore. Ela é como um filho – expliquei para a taxista – Ela perdeu um pedaço, mas ainda é a minha árvore.
A mulher ficou em silêncio um tempão.
- A senhora sabe que me dá até vontade de chorar de ver uma coisa dessas? Eu gosto muito de árvores. Acho um absurdo o modo que a prefeitura cuida das árvores da cidade.
Percebi que a minha taxista tinha uma teoria. Me entusiamei, apesar do sono.
- Cuida? – respondi, balançando a cabeça – A prefeitura da cidade de São Paulo não cuida de árvore nenhuma!
- Isso mesmo! – a mulher se animou toda – Tem toda razão! Sabe, minha senhora, as pessoas só pensam no verde. Verde, verde, verde. Tendo verde na cidade parece que está tudo ótimo. Mas uma árvore não é só o verde! Isso foi uma propaganda muito errada que se disseminou por aí. Uma arvore é um todo: uma copa bonita, um tronco, belas folhas, um bom caimento. Uma árvore é um conjunto. E é isso que deveria ser preservado. O conjunto da árvore.
Ela suspirou, satisfeita. Continuou. Olha que taxista legal, essa.
- As pessoas fazem podas horríveis, elas ficam deformadas, paralíticas, desfiguradas. As nossas árvores são todas entrevadas, olhe! – e ela apontava as árvores da marginal Pinheiros - Eu acho isso a maior vergonha. Um dia peguei uma passageira, uma agrônoma. Ela me disse que essas podas são “podas ginecológicas”. Gostei muito desse termo. Pensa, as árvores abrem as pernas pra tudo: para os fios, pra os caminhões, postes, prédios, túneis. Tudo é mais importante que elas. As nossas árvores, coitadas, são submissas, tem que sobreviver sem membros, sem ar, sem espaço. É muito triste. É como viver numa cidade de aleijados, todos assim por causa da prefeitura e da administração da cidade.
- Cidade de aleijados? – eu olhava ao redor, pasma – Nossa...
- Quando eu vi a árvore da senhora eu tive vontade de chorar, de chorar mesmo. Coitada. Tão bonita e assim, tão machucada... E veja que coisa, ela está tentando sobreviver, apesar de tudo. Aquela cicatriz enorme e as folhinhas nascendo, a senhora viu, não? É de emocionar, a natureza. De emocionar mesmo.
Bom, chegamos no aeroporto.
E foi com essa idéia na cabeça e emocionada com as árvores que eu fui viajar para a Bahia.

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