sábado, 14 de maio de 2005

o general





Tudo começou com um simples alô.
- Alô.
- Quem fala? – perguntou rapidamente uma voz de homem ao telefone.
Levei um susto, era domingo à tarde, eu estava descansando.
- Vamos. Quem é que está falando aí? – insistiu a voz, ligeiramente agressiva.
- É... é a lúcia... – respondi, meio hesitante – E... quem fala aí?
- Como assim, “lúcia”? Que “lúcia”? – a voz me interrompeu, brava.
O que será que eu tinha feito de errado?
- Sou eu, a lu- lu -lúcia – eu gaguejei, confusa – Escuta, quem é que está falando aí?
- Eu que pergunto! – falou a voz, irritada – Escutaqui moça, foi você que me ligou agora há pouco?
- Eu te liguei?
- Ligou. Faz uns 5 minutos. O que você quer comigo? - insistiu o homem.
- Mas quem é você?
- Diga antes quem é você e o que você quer.
Lembrei. Há cinco minutos atrás eu tinha telefonado para o celular da minha irmã. Devo ter discado algum número errado. Era isso.
- Olha meu senhor, acho que eu liguei para o senhor sim, mas devo ter discado algum número errado. Foi engano.
O homem me interrompeu, estúpido.
- Como assim “engano”? Tem certeza que foi engano? O meu celular tocou, eu olhei o número e vi que ligaram daí. Queria saber o porquê – ele ordenou, quase berrando.
Estremeci. Acho que eu liguei sem querer para algum general do exército. Nossa. Como celular é perigoso.
Respondi, cautelosa.
- Mas como eu vou saber alguma coisa se eu não sei quem é que está falando? - Respirei fundo e tomei coragem - Meu senhor. Como é o seu nome?
- Meu nome? Você quer saber meu nome porquê, hein? – insistiu o general – Eu que pergunto! Qual o seu nome completo?
- Olha, meu senhor – comecei a perder a paciência – Quer saber duma coisa? Foi engano mêêêsmo. Eu jamais ligaria para uma pessoa tão esquisita como o senhor.
E pimba, desliguei.
Detesto essa idéia de ser detectada em tudo quanto é lugar. Depois que começou essa moda, a gente não pode nem ligar errado pros outros que logo em seguida vem uma ligação de alguém perguntando porquê que a gente ligou, fazendo o maior inventário, querendo saber quem é a gente e o caramba a quatro. Discar um telefone hoje em dia é um perigo. Saudade do tempo do trote, que hoje em dia não existe mais.
- E se você disca, sem querer, para uma casa onde alguém foi seqüestrado? – imaginou um amigo – Você pode até ir preso! Eu tomo o maior cuidado na hora de discar, para não errar. O melhor – ele me explicou – é guardar os números na memória do telefone, para não haver erro nunca.
Que maluquice. Mas é melhor a gente se acostumar com essas espionagens, pois atualmente somos detectados em todos os lugares, e pior, com câmeras. Sorria, você está sendo filmada. No banco, no mercado, no shopping e nas lojas, sempre tem alguém te vendo, escondido numa salinha.
Pelo sim, pelo não, eu sempre sorrio. Filmagem é sempre chique, ainda mais para de uma moça de família do interior, como eu.
Daqui a pouco existirá a mesma coisa para sites e tudo o mais que existe na internet, e será impossível você pesquisar, fuxicar e se divertir anonimamente. Internet está ficando cada dia mais igual a vida real - não demora muito para a página da gente ter imagem real, via webcam, conectada direto, com voz e tudo. E bina, claro.
Eu adoro ir aumentando uma idéia para ver onde vai dar. Nesse caso ainda não sei, não consigo imaginar as conseqüências do fim da clandestinidade total. Depois ainda inventaram esse celular com GPS. Já pensou? Vamos saber quem ligou e onde está a pessoa!
Mas por enquanto eu apenas sigo o conselho do meu amigo. Gravei todos os números que podia na memória do telefone, e os outros eu disco bem devagar, pra não errar nenhum número.
Eu, hein?
Dá que eu caio de novo no colo daquele General...

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