quarta-feira, 13 de abril de 2005

o choppinho



Era final de tarde quando chamei a Malú, minha amiga, para ir ao cinema.
- Cinema? Assim, num dia de semana?
Engraçado como para as mães cheias de funções como nós, um cinema parece um problemão. Não parecia possível que pudéssemos não ter nada para fazer num final de tarde, das seis às oito. Algum filho deveria estar em algum lugar e precisaria ser resgatado, alguma compra precisaria ser feita, alguma reunião deveríamos ter. Pensamos em todas as hipóteses.
Nada, nadinha.
Respiramos fundo e fomos.
A sensação era divertida. Era como cabular aula ou fazer alguma coisa proibidíssima. O filme era ótimo, compramos balas, esquecemos do mundo. Quando acabou a sessão, saímos para a galeria.
- Para onde vamos? – perguntei, quando percebi que íamos para o lado oposto do estacionamento.
- Sei lá... – falou a Malú - É que eu pensei... bem, nós podíamos comer alguma coisa. Uma fome que eu estou. Ou beber um chopp... ah, sei lá.
Começamos a andar. Estávamos sem rumo na galeria, completamente perdidas dentro da nossa vida de casadas. De um momento para outro, aquela galeria era um labirinto de opções irreais, todas espacialmente próximas de nossos corpos, mas separadas por um profundo e perigoso precipício. Depois de diversas voltas, nossos pés nos levaram para a rua. Passamos a dar voltas no quarteirão, alternando assuntos, de fatos corriqueiros da nossas vidas à pequenas inserções dentro da realidade daquela fuga permitida.
A Malú parou e me olhou.
- Nossa. Porque não conseguimos nos decidir, lúcia?
- Vamos pensar. Os meninos estão direito. Ninguém sabe a que horas acabou o cinema, e o filme durou só uma hora e meia... hummm, Malú, não sei. Vamos ou não?
Do outro lado da rua havia um supermercado. A Malú apontou.
- Olha. Se a gente tivesse que ir ao supermercado, a gente ligava para casa e declarava: “vou demorar pois vou passar no supermercado”. Um supermercado é inquestionável. Ninguém discute se você deve ou não ir ao supermercado. Não é? - Ela conjecturou, rindo.
- Então vamos ao supermercado. Será que tem chopp lá?
- Olha que idéia boa, Lúcia... A gente vai ao supermercado, compra umas coisas bem rápido, sai e toma nosso chopp com sanduíche num bar. Depois chega em casa e fala que demorou porque estava no supermercado.
- Malú! Imagina se tem cabimento duas mães adultas fazerem um plano diabólico para tomar um chopp?
Ela começou a inventar.
- Podemos dar essa idéia para muitas outras mães e fazer uma espécie de acordo secreto. Todas fazem compras e depois saem para beber... podemos até fazer um rodízio de compras, cada dia uma mãe faz a compra para todas e dividimos os pacotes!
- Podemos até fazer as compras antes, de manhã bem cedo. Sobra mais tempo à noite para o chopp!
- E se deixássemos sempre uma sacola no carro? Uma não, duas! Uma de supermercado, outra de farmácia. Farmácia também é inquestionável, ainda mais se você for comprar remédio para cólica menstrual e absorvente. Você acha que alguém discute uma cólica menstrual?
- Não, uma cólica menstrual é sinônimo de respeito total. Qualquer pessoa se cala diante de uma cólica!
- Olha, já completamos a terceira volta no quarteirão. Chega - ela resolveu.
Assim entramos num restaurante, comemos e bebemos um chopp.
Acho que somos assim mesmo, eu, a Malú e muuuitas mães e mulheres do mundo. Aprendemos desde pequenas que é muito bonito uma mulher entregar a vida para a família e para o trabalho, e e não nos permitimos nenhuma pequena entrega. Mas o mundo não cai, as coisas não viram do avesso e nós não precisamos comprar a nossa desculpa em nenhum supermercado, seja ela um sabão em pó, uma lata de óleo ou um pacote de absorvente.
Chegamos em casa dez e meia da noite, sem nenhuma sacolinha. Ninguém, nenhum marido ou filho, nem na minha casa, nem na casa dela, perguntou nada.
E quanto ao supermercado, lembramos no dia seguinte: as duas casas, a minha e a dela precisavam de compras.
Fomos no dia seguinte, à noite, em horários diferentes e nem nos vimos.

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