sexta-feira, 1 de abril de 2005

as cidades casulos


... mas o que é isso?

... Bangalô de massagem, lounge decorado, lanchonete-copa-bar, cozinha gourmet, bar tropical, praça da fogueira, dinner room, street ball, pomar, deck e solarium, pista de corrida, lavanderia café, sala de fitness, ofurô, pista de skate, segurança e automação, piscina com raia, praça para adolescentes, bar tropical, salão de festas infantil, salão de festas jovem, salão de festas adulto, bar Acapulco, sala de descanso com hidro, lobby decorado, estação culinária oriental e contemporânea, infra estrutura para aspiração a vácuo, lareira externa, putting green e drive range...

Isso?
Bem, isso são as coisas que vem junto com os apartamentos que a gente pode comprar aqui em São Paulo. Recortei todos os anúncios do jornal de ontem, quinta feira, e cheguei nessa lista fantástica. Que diabos está acontecendo com o ato de morar para as pessoas precisarem dessa coisarada toda nos seus prédios de apartamentos?
Olhei atentamente todas as ilustrações e textos. É incrível. Não tenho a menor idéia do que são esses negócios de “putting green”, “drive range” e “street ball” e nem para o que servem, devo ser a maior caipira dessa São Paulo. Mas quanto ao restante, fico me perguntando se realmente existem pessoas vão a uma secção na sala de fitness, a um treino na piscina coberta de 25 metros e depois vão fazer uma massagem no bangalô do condomínio. Ou se existem outros que passam pelo lounge decorado até chegar na cozinha gourmet, onde fazem uma comida oriental e contemporânea. Ou se existe alguém que dá uma passadinha na lavanderia café, uma olhadinha nos filhos na pista de skate, uma descansadinha no descanso com hidro, uma voltinha no pomar, no deck e no solarium e que a noite vai para a praça da fogueira, relaxar e ver as estrelas.
Acho engraçado também que, para vender, nada pode ser uma coisa só. Tudo tem que ter um adjetivo ou uma explicação para melhorar. Vejam a lavanderia-café. Uma “lavanderia” sozinha é um nada, já uma “lavanderia-café” é uma coisa bem mais chique. O mesmo acontece com a cozinha, que sozinha é das coisas mais mixurucas do mundo, mas quando vira uma “cozinha-gourmet” passa a ser elegantérrima. Agora imagina a zona de mais de 20 famílias querendo usar essa tralha toda ao mesmo tempo.
Céus.
Tudo isso fica ao alcance das pessoas que moram nos prédios, pois são áreas comuns. Vendo isso, não me parece estranho que as pessoas queiram, dentro em breve, ter shoppings, hospitais, escolas, maternidade e (quem sabe) até cemitérios (!) dentro dos prédios. Acho impressionante como a cidade de São Paulo, por causa do caos do trânsito e da violência, vai criando casulos de vida própria, que subsistem voltados para dentro.
E o mais revoltante foi perceber em quase todos anúncios o seguinte: a “realização”, o “planejamento” e “construção” sempre eram de diversas construtoras, incorporadoras e gerenciadoras, e esses nomes estavam sempre em letras enormes, com grandes logotipos.
E os arquitetos, pensei? Bem, o arquiteto quase nunca aparece. Numa das propagandas ele surgiu lá no pé da página, em letras mínimas, onde se lia: projetistas: arquitetura – fulano de tal; paisagismo – outro fulano de tal; decoração – fulana de tal.
Ô tristeza. Foi-se o tempo que o arquiteto desenhava as cidades.
Viram? Deu no que deu.

Nenhum comentário: