domingo, 20 de março de 2005

uma mulher sem lombada



Há algum tempo encasquetei que, se eu quero ser uma escritora de verdade, preciso urgente ter um lombada.
Sim, gente, uma lombada. Aquela lateral dos livros que a gente coloca na frente da estante para saber que livro é aquele. Aquela parte do livro que fica sempre visível. A "cara" do livro.
Ter uma lombada é imprescindível para quem quer ser escritor. Uma escritora sem lombada é um nada, um zero.
E céus. Eu NÃO tenho lombada!
Gente, pensa. Além de termos a memória dos livros que lemos, temos a memória das lombadas dos livros que lemos. Se eu fechar os olhos agora e pensar "Machado de Assis", eu me lembro da lombada do Machado. Clarice Lispector: pimba, lombada azul. Mário Prata: lombada braquinha. Amoz Oz: lombada preta. P. Juan Gutierrez: lombada preta mais gorda que a do Amoz Oz. Paul Auster? Roxa. E por ai vai. Aquela infinidade de cores e letras, cada uma única, particular, perfeita. Algumas lombadas eu conheço de cor. Outras, volta e meia eu estranho: quando vou ver é um livro novo que alguém aqui em casa comprou.
E, muitas vezes, do livro a gente se esquece, mas da lombada não.
Nunca.
A lombada de um livro é das coisas que mais me marca. É a lembrança da época que eu vivi quando li o livro, a recordação do mundo e da casa que eu morei quando comprei ou ganhei.
Ano passado eu consegui a minha primeira lombada. Escrevi uma história maluca usando como personagens os meus colegas de faculdade, fizemos um reencontro de 20 anos de formados. U m amigo nosso, dono de uma editora, publicou a novela para dar de brinde na festa. Não foi um livro comercializado, mas foi minha primeira lombada. Pequena, com tiragem pequena, mas a primeira.
Nunca me esquecerei dela.
Já resto dos meus livros, as novelas, as peças, as crônicas, os contos e os romances estão todos aqui.
Espiralados, coitados.
Uma lombada espiralada não é nada numa estante. Aliás, ela é pior que nada: engancha nos outros livros, risca as capas e nem pára em pé sozinha. É um esqueleto meio torto, sem personalidade, sem cor.
Mas sou insistente. Vou conseguir dar vida e lombada a todos meus escritos e serei lembrada pela minha lombada. Imagine que máximo: alguém fala meu nome e as pessoas ao lado balançam a cabeça, sorrindo.
- Sim, a lúcia carvalho, aquela antiga blogueira do "frankamente"...
E todas estarão se lembrando da minha... lombada.

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