segunda-feira, 29 de novembro de 2004

ABRAÇOS


egon schiele, "embrace"
Minha irmã acredita piamente no médico homeopata que cuida dela e do filho. Lê os livros que ele escreveu e fala as palavras dele. Tem pessoas assim, crédulas temporárias. Acreditam tanto que até usam as palavras dos outros, quando interessa.
Ela estava no sofá, lendo, empolgadíssima, o livro do médico. Me falou para olhar um dos capítulos. Já li muito sobre crianças e educação, afinal, uma grande porcentagem do meu tempo nesses últimos 15 anos foi essa convivência com crianças.
O livro falava sobre as famosas "birras". Crianças precisam de limites, ele dizia, e arrematava de uma maneira bonita. Dizia que esse limite tinha que ser dado pelo corpo da mãe, pelos seus braços. Que os limites não são somente broncas ou castigos, que é necessário também dar um limite físico, e que esse limite físico que a criança precisa é o do diâmetro dos braços da mãe.
O limite do abraço forte.
Segurar nos braços.
Apertar.
Essa imagem me pareceu muito importante, pois vai muito além da educação infantil. Não acredito que “aprendemos” os limites na infância. Os limites nos são colocados ao longo da vida toda, nos deparamos com eles o tempo todo, até na velhice. Talvez sejamos um pouco crianças a vida toda, carregamos os meninos e as meninas dentro de nós. Não “adquirimos” limites como coisas prontas, acabadas. O tempo se encarrega de transformá-los a cada dia, ao longo da vida. Precisamos nos conter, e muitas vezes precisamos ser abraçados para cabermos dentro do mundo.
Sinto que às vezes, transbordamos, e esse derramar-se pode ser sempre perigoso.
Talvez na idade adulta tenhamos mais consciência deste transbordar do que quando somos crianças. Mas esse perceber pode ser facilmente encoberto com nossas atribulações diárias, tanto trabalho, tanta falta de tempo... e tanto medo de ser abraçados que temos. Foi dito aos adultos que já sabemos os limites, que já acabou o tempo de aprender, que o abraço deve ser dado pela mãe, na infância. E que somos adultos, ou seja, que chega de abraços com diâmetros do braço. Chega de sermos enlaçados e limitados.
E então, nos esperneamos sós, calados e solitários. Esperneamos por dentro, latejantes, estupidamente sós. Engolimos em seco, crescemos essas linhas tênues das pontas dos abismos. E quando caímos, quando estouramos, quando ainda fazemos as famosas “birras”, nos machucamos e somos condenados pelo mundo e por nós mesmos, na nossa solidão.
Assim eu penso das amizades, nos nossos amigos: com braços enormes, longos, elásticos, capazes de nos enlaçar longamente. Braços de amigos devem ser muito mais fortes que braços de mães, pois somos muito mais resistentes e não acreditamos que podemos estar indo longe demais.
Abraços ilimitados.

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